eis que me tenho deste lado...

eis que me tenho deste lado,
sentado na minha poltrona favorita.
ao lado deste meu lado uma senhorita
noiva minha quem sabe?
o larário de fogo aquecendo o ambiente
da nossa diplomacia pessoal
e assuntos importantes me esperando
na sala de reuniões.
vida polida, sem variações imprevistas,
sem exageros nem incertezas,
os chinelos do acaso
calçando-me os pés do conforto,
os jornais do passado e do futuro,
meus presentes companheiros leais.
o cachimbo, mais social que prazeroso,
onde queima o fumo do pudor,
e no fim, deixa as brasas do esquecimento
das coisas que não plantei a tempo.
ao tempo que tem seu tempo,
embalando nossas vontades
em mantas do deixa disso,
não há mais idade para tal…
sufoca este teu outro lado,
sonha com o ordinário
e alivia tua alma, tranqüiliza,
vive bem e espera tua hora
que teu papel se cumprirá.

eis que me tenho deste outro lado, sentado numa sombra qualquer sobre gramas de ninguém, debaixo de uma árvore que não é minha tomando emprestado os raios de sol, a água de chuva, o frescor de vento dono das estrelas iluminados pensamentos. só sou — sol — só serei — lua — meu viver-amar lento, o mundo, ruas & luzes & bares qualquer movimento, alguém me batendo à porta da memória — lua — outra vida vivendo a minha, sem limites, sem não, sem medo, sem razão mas não é possível simplificar — sol — e fujo do assédio do tempo rápido que já me vem e já me quer levar eu, sonhador alucinado, quero gritar pelos oito cantos meu canto, gravar nas tábuas sagradas meu texto, deixar nas paredes do mundo minhas cores eu que não quero tudo, quero mais, mais que uma poltrona confortável na pálida sala-de-estar da minha cabeça, mais que coisas importantes dependendo do meu sentar à mesa, mais que minha mulher me aguardando voltar pelo caminho do trabalho, mais que as colunas da ordem e da desordem, mais que a vida e a morte, mais que tudo que me possam oferecer.